Por João Francisco Raposo e Carolina Frazon Terra (*)
Na profissão de RP, não se visa planejar ações estratégicas que contribuam para que os públicos e audiências tenham percepções negativas ou ruins (o que chamamos de bad PR) acerca daquilo que foi exposto, comunicado ou teve como objetivo o relacionamento. Mas temos percebido que há hoje marcas (sejam organizações, empresas, entidades ou celebridades) que acreditam que fazer uso de tal estratégia é melhor do que não ter nenhuma ação de RP, apesar da possibilidade de consequências desastrosas. Um release mal redigido, um evento inútil ou uma postagem egoísta nas mídias sociais podem marcar imagem e reputação profundamente e por muito tempo. Apesar disso, o burburinho (ou buzz) a qualquer custo parece já ter conquistado seu espaço, pois fazem com que a imprensa e as audiências falem da marca/produto/serviço ainda que de forma negativa, porém espontânea. Nestes casos, entende-se que enquanto o conteúdo conversacional se desenrola, faz-se um trabalho de branding, e a visibilidade midiática e a propagabilidade (ou em termos populares, a viralização) se tornam peças-chave para se entender por que marcas (e celebridades) optam por um caminho de exposição, no caso, negativa, mesmo com todos os riscos. Em linhas gerais, o bad PR se baseia no antigo chavão: “falem bem, falem mal, mas falem de mim”.
Mas será que uma estratégia de bad PR, ao propagandear conteúdos polêmicos e/ou negativos para gerar boca a boca espontâneo, é benéfica ou ajuda na construção de imagem, marca ou reputação? Por definição, o trabalho de Relações Públicas é responsável por planejar, implantar e gerenciar a gestão da comunicação institucional nas organizações, os relacionamentos estratégicos com os diversos públicos em canais variados, incluindo mídias sociais e eventos, desenvolvendo também pesquisas e auditorias de opinião, além de relações governamentais. Tudo visa a manutenção de uma imagem positiva e a garantia da boa visibilidade dos públicos com relação aos seus negócios, sejam elas atividades, produtos ou serviços. Assim, possui funções administrativas, estratégicas, mediadoras e até mesmo políticas.
Para aparecer, os adeptos do Bad PR se valem de estratégias de disseminação de conteúdos polêmicos, negativos, sensacionalistas, “caça-cliques” ou até mesmo falsos de modo proposital e com fins de visibilidade e também viralização. Três exemplos atuais ajudam a ilustrar a geração de mídia espontânea negativa e que, portanto, se valem de uma estratégia de Bad PR:
- Caso Bettina/Empiricus
Em março de 2019, a empresa de informações financeiras, Empiricus, divulgou um vídeo como anúncio de cinco segundos no Youtube de uma jovem de 22 anos, à ocasião, Bettina Rudolph, que teria acumulado patrimônio de mais de R$ 1 milhão em apenas três anos (tendo começado com R$ 1.520,00), investindo em ações.
O caso gerou bastante repercussão, tanto na imprensa tradicional quanto nas mídias sociais, e acabou por colocar a empresa no centro das discussões daquele período (março-abril de 2019). A Empiricus possui um histórico controverso no mercado com a APIMEC (Associação de Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), tendo tido licenças suspensas em 2017 e induzindo, de acordo com a associação, investidores a crer no retorno garantido dos investimentos feitos. No mês seguinte ao anúncio com Bettina, o Procon-SP acabou por multar a empresa por considerar a comunicação uma publicidade enganosa. O órgão entendeu que a postagem estava travestida de depoimento espontâneo, sem apresentar os dizeres “informe publicitário”, levando o consumidor a pensar erroneamente que se trataria de uma história de sucesso de quem aplicou na bolsa, e não de uma propaganda.
Na época, veículos da mídia tradicional noticiaram que a personagem Bettina, por sua hipervisibilidade após a campanha no YouTube, se transformou em memes, traduzindo a dinâmica viral e de conteúdo instantâneo proporcionada pelo digital. Um modo de consumo rápido e fácil de conteúdo que impacta direta e rapidamente os modos contemporâneos de comunicação, e une o imediatismo e o espetáculo visando a produção e a distribuição massiva pela rede. Os memes, frequentemente tidos como comuns e vazios, se transformaram em aliados estratégicos da comunicação contemporânea. No caso da Empiricus, não podemos afirmar com absoluta certeza que se tratou de uma ação proposital, mas é possível perceber como a estratégia, mesmo de forma negativa, conseguiu propagação, visibilidade e notoriedade (não só da personagem, mas também da marca), alavancando conversas e debates por toda a rede. Mas a empresa conseguiu o que queria: levar seu nome ao grande público e, portanto, tornar-se conhecida e notória.
- Caso Serasa Anitta/Pabllo
Outro caso de Bad PR refere-se à Serasa que se aproveitou de um suposto áudio vazado (envolvendo um desentendimento no pagamento de uma dívida de um videoclipe) entre a cantora Anitta e Pabllo Vittar fazendo uma postagem em seu perfil de Instagram em agosto de 2019. Na ocasião, a funkeira comentou o post sentindo-se ofendida e apontando o quanto o assunto “dívida” é ruim e “tira o sono” dos brasileiros. A Serasa foi alvo de comentários negativos e críticas nas redes sociais, mas, mesmo assim, manteve a postagem e acabou até por responder à artista. Em abril deste ano, Pabllo acionou o Tribunal de Justiça exigindo R$ 120 mil de indenização contra a empresa, alegando que a Serasa se aproveitou de rumores da internet para criar uma narrativa fantasiosa para gerar buzz e aumentar a visibilidade de seu serviço de crédito.
Aqui, percebemos como a Serasa se valeu da controvérsia entre as cantoras de maneira bem oportunista na tentativa de engajar seu público para a propagação do conteúdo na plataforma, publicizando sua visibilidade na rede. É possível perceber também como a empresa se utilizou da notoriedade e da influência digital de duas artistas da cultura jovem contemporânea para alavancar sua estratégia de propagabilidade, mesmo não explicitando seus nomes no texto da postagem, nem fazendo com que ela fosse compartilhada por elas em seus respectivos perfis. Ainda assim, é possível notar que o objetivo principal ali era, provavelmente, fazer com que as pessoas identificassem a famosa “rixa” entre Anitta e Pabllo na construção de sentido cultural do post, o que fica provado pela própria resposta da funkeira carioca, mencionada acima. Assim, fazendo uso de um boato negativo, a Serasa conseguiu estar na mídia tradicional e, ao mesmo tempo, participar das conversas das mídias sociais, gerando visibilidade para sua marca e também para seu conteúdo e serviços.
- Caso Jair Bolsonaro
O atual Presidente brasileiro da República, Jair Bolsonaro, vive às turras com a imprensa e suas declarações, frases, postagens e comentários acabam por ser destaque constante na mídia – tanto on, quanto offline. Bolsonaro parece ser um prato cheio para conversas, o que pode se tratar de uma estratégia bem planejada para mantê-lo dentro de um ciclo infinito de notoriedade. Um caso de bad PR com suas polêmicas dominando o debate político e tirando o foco de questões nacionais e urgentes que não estão sendo solucionados.
Em muitos governos atuais, cada vez mais decisões parecem ser tomadas na busca pelo efeito positivo que produzirão à imagem de seus líderes, e não visando a melhoria do coletivo. Um uso da comunicação como uma forma de “lapidar” (ou reforçar) a imagem governamental para influenciar os cidadãos em benefício próprio. Discursos incendiários e estratégias fundamentalmente midiáticas, como a de Bolsonaro, Trump e tantos outros, parecem visar um “estar sempre na mídia sem precisar pagar por ela”, por meio de redes sociais usadas de maneira narcisística, como o Twitter. Declarações escandalosas e polêmicas são amplificadas nestes canais, pautando os meios de comunicação tradicionais, que, em sua grande maioria, fazem duras críticas e ajudam a reverberar toda a controvérsia aparentemente inoportuna.
Bad PR é mesmo RP?
Vivemos em uma sociedade em que há uma cobrança e também uma busca por visibilidade midiática constante. Muitas vezes, isso ocorre por vias negativas (ou Bad PR). A política do escândalo é hoje favorecida pela digitalização e pela desintermediação que visa construir realidades, comportamentos e decisões por meio do “estar na mídia” custe o que custar, inclusive desqualificando opositores e ideias contrárias. A frase “na era da informação, a invisibilidade é equivalente à morte” parece ser o que têm pretendido as organizações, pessoas, celebridades e governantes que apostam na estratégia de aparecer nos espaços midiáticos a qualquer custo, sem se importar com o teor de sua reputação, pois querem ser vistos e ouvidos, seja como for. Gerar conteúdos e pautas que despertem polêmicas e, até mesmo o falatório negativo, entraram na agenda de muitos que vislumbram um “lugar ao sol” no atual mundo midiático.
Apesar, a geração sistematizada e planejada da comunicação pode ser bem mais valiosa e importante para a construção de uma marca, imagem e reputação do que se pautar em uma estratégia de buzz negativo com desconfiança e até mesmo repulsa no público. Vale observar também que tal cenário de geração de mídia espontânea aumenta com o fenômeno da desintermediação, ou seja, com a capacidade dos atores – individuais ou coletivos – de “falarem” diretamente com as suas audiências e terem potencialidade de geração de burburinho e conversas. Se formos adiante, mas não muito, e envolvermos a inteligência artificial na produção automática de conteúdos, é possível afirmar que robôs e afins já são capazes de gerar conteúdos negativos contra uma organização, pessoa ou entidade desde que iniciados por alguém com má intenção. Em tempos de avalanche de fake news e total descontrole daquilo que se espalha na rede, gerar RP negativas (ou Bad PR) não é mesmo algo tão incomum assim.
Se a estratégia de Bad PR gera retorno? Entendemos que momentaneamente, sim, vide os casos e exemplos que apresentamos acima. Mas qual é o retorno? Em todas as situações – Empiricus, Serasa e Jair Bolsonaro – a mídia, tanto tradicional quanto social se ocupou das discussões colocando tais agentes como protagonistas das conversas da esfera pública contemporânea. Ainda que as repercussões tenham sido negativas, alguns com consequências até legais, imaginamos que as organizações e o Presidente tenham obtido o resultado esperado: ter seus nomes no centro dos debates, reverberando seus conteúdos pela rede (e fora dela) e se mantido em visibilidade junto à mídia. Porém, a longo prazo, entendemos que o efeito negativo do boca-a-boca, de fato, pode não ser a melhor estratégia para se construir uma imagem positiva, duradoura e empática. Pois não é este o escopo do trabalho em RP.
*João Francisco Raposo é especialista em Comunicação Digital e doutorando pela ECA/USP, e pesquisador no grupo Com+/USP.
*Carolina Frazon Terra é pós-doutora em Comunicação, pesquisadora no grupo Com+/USP, professora na Faculdade Cásper Líbero, ESPM e ECA-USP.
Texto originalmente publicado no site da ProXXIma
Pingback: Sobre cancelamento, oportunismo e o caso Romero Britto: de qual Comunicação estamos falando? – Grupo de Pesquisa COM+