Social brands e relacionamentos em transformação: o “novo normal” da comunicação pós-COVID-19?

Por Carolina Frazon Terra e João Francisco Raposo (*)

Há algum tempo as marcas já não veem mais seus públicos como meros alvos, como antigamente. Hoje elas vão muito além de uma simples embalagem externa e são chamadas a se representar e se posicionar de modo mais autêntico, verdadeiro e de valor real, pois os consumidores se encontram agrupados em comunidades online em que discutem seu amor e seu ódio por organizações, produtos e serviços. Assim, o relacionamento entre públicos e marcas se torna  cada vez mais horizontal, e em épocas de crise, elas se tornam capazes oferecer respostas e esperanças aos anseios do público além dos tradicionais anúncios, se tornando o que chamamos de Social Brands.

Neste contexto, a comunicação se volta diretamente para os valores, em detrimento da simples venda de produtos ou da satisfação dos sonhos de consumo. E por meio da tecnologia digital, as marcas passam a enxergar o ser humano de modo mais complexo, buscando uma proposição de valor emocional por meio da interação com as audiências e da colaboração de “um para muitos”, com novas estratégias e transformações no relacionamento. As marcas mais amadas, hoje, possuem a empatia como um dos fatores responsáveis por uma conexão mais profunda com suas audiências, por meio da escuta não só do contexto, mas também do que está sendo comunicado e de como isso ocorre. O compromisso também se torna peça-chave no relacionamento entre marca e públicos, criando uma união de longo prazo e de confiança entre ambos. Assim, aliar-se emocionalmente a uma causa pode ser um fator bastante benéfico no processo de comunicação e relacionamento com as audiências. Parece existir hoje uma expectativa por parte dos públicos de que as marcas tomem posições a respeito do contexto a que estão submetidas e sejam empáticas não só a eles, mas também ao contexto macro do que se está vivendo quando falamos de sociedade e cultura. Seja uma pandemia global, seja alguma outra situação transformadora do momento, as audiências já têm como dado que as organizações prestem serviços ao coletivo como forma não só de agregação de valor, mas também de conexão emocional entre ambos.

Foi a partir da classificação do coronavírus como pandemia feita pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em março deste ano que o tema começou a ganhar grande importância nas redes e, em um cenário de incertezas, as marcas começaram a se posicionar e adaptar seus conteúdos ao contexto da pandemia. Sejam assumindo o protagonismo com investimentos em dinheiro ou ações para colaborar com a sociedade, ou adaptando seus discursos com seus públicos durante a crise, as social brands trouxeram uma comunicação não só presente – e visível – mas também consistente, relevante, responsável e com forte postura social. Uma mudança  estratégica que substitui o marketing tradicional dos anúncios e mensagens fora da realidade da COVID-19 por um discurso de valores e de posicionamentos extremamente pertinentes neste momento.

A Coca-Cola, por exemplo, optou por pausar suas campanhas publicitárias e realizar ações de doação de bebidas aos trabalhadores da saúde, investindo recursos em informação ou até em utilização das verbas de publicidade para causas. Em São Paulo, as empresas de mídia out of home (OOH) utilizaram os relógios e abrigos de ônibus da cidade para veicular alertas sobre a importância da prevenção da doença. As tradicionais propagandas de marcas foram trocadas por recomendações de hábitos simples de prevenção e combate ao novo coronavírus, como o ato de lavar as mãos frequentemente e de evitar aglomerações. Um claro posicionamento de empatia e solidariedade com o coletivo assumido pelas marcas por meio de uma comunicação de caráter informativo e social. Fica claro como o momento pede novas estratégias de comunicação; e parece não ser a melhor hora para vender ou anunciar como anteriormente. Assim, mensagens e discursos das social brands são realinhados com fins de informar e colaborar com a sociedade, que enfrenta, provavelmente, a maior crise deste século.

Algumas marcas tomaram iniciativas rápidas em relação à pandemia e se mostraram bastante empáticas ao atual contexto, como o caso da plataforma de e-commerce, MercadoLivre, que alterou seu tradicional logo, conhecido por um aperto de mãos, para um toque de cotovelos (ato recomendado como prevenção ao contágio do coronavírus). Movimento semelhante também fez a rede de fast-food, McDonald’s que desuniu o  “M” de seu logo para demonstrar solidariedade  à causa do distanciamento social. A Reebok criou uma ação para incentivar exercícios físicos em casa, por meio de seu perfil no Instagram e também de seu time de influenciadoras digitais que atuam como embaixadoras da marca, em tempos de quarentena. Nomeado de #reebokemcasa, estimulava as pessoas a tirarem um tempo para se exercitarem por meio de treinos funcionais diversos. Em um quadro de crise, não é surpresa que a população espere que as empresas sejam úteis e que informem quais estão sendo seus esforços para enfrentar a atual situação, além do simples anúncio de produtos ou serviços. Espera-se que as marcas sirvam de exemplo!

Além de reverberar ações voltadas aos consumidores, as marcas também também se preocuparam com seus públicos internos: desde o seu bem-estar na quarentena até informações de garantias trabalhistas. O movimento #NãoDemita foi lançado na rede com adesão de quatro mil empresas. Com um site criado especialmente para incentivar empresários a evitar demissões, contou com o apoio e depoimentos de figuras de influência nacional como Luiza Trajano, do Magazine Luiza; Sérgio Real, presidente do Santander Brasil, e Bruno LK, presidente do conselho do grupo Porto Seguro. O banco digital brasileiro Nubank, por sua vez, anunciou que havia mandado 1.500 cadeiras de escritório aos seus funcionários em suas residências a fim de proporcionar certo bem-estar enquanto estes trabalham em regime de home-office. E a marca de delivery iFood revelou que repassou 500 mil Reais em gorjetas a seus entregadores a fim de ajudá-los durante a exaustiva rotina de trabalho na pandemia.

Vemos na rede marcas atuando como verdadeiras influenciadoras digitais, criando e fazendo seus próprios veículos de mídia que informam e conversam diretamente com os seus públicos, sem qualquer intermediação. Elas exercem o papel de municiar o público com informações, influenciando a formação de uma opinião favorável aos seus interesses institucionais ou comerciais. A OMS (Organização Mundial da Saúde), por exemplo, assumiu tal papel e, assim como os tutoriais de Do It Yourself comuns aos blogueiros da rede, criou um desafio mundial para estimular a população a lavar as mãos corretamente, viralizando, inclusive, um passo a passo. Com um perfil na rede social com audiência mais jovem, o TikTok, a #MaosSeguras (no Brasil) convidava usuários e influenciadores a criar vídeos lavando as mãos para atingir as audiências e conseguir que seus conteúdos se espalhassem e ajudassem na disseminação de informações úteis ao combate e prevenção do coronavírus. O momento é tão delicado que até a concorrência foi posta momentaneamente de lado por algumas marcas. As operadoras de telefonia celular brasileiras Claro, Oi, Tim e Vivo se juntaram em parceria inédita para oferecer aos clientes bônus de internet, acesso aos canais de TV pagos e navegação grátis no aplicativo Coronavírus do Sistema Único de Saúde (SUS), no país. E as concorrentes de material de construção Leroy Merlin e Telha Norte se uniram para construir 80 novos leitos para a Santa Casa de São Paulo.

Parece-nos que “navegam” melhor hoje aquelas organizações que se adaptam ao contexto que estão inseridas e se posicionam com agilidade diante de situações imprevisíveis. Durante a pandemia do novo coronavírus, as marcas se viram obrigadas a lançar mão de novas estratégias de ação e também de comunicação em relação ao contexto social. Assim, podemos enumerar algumas das principais ações tomadas por elas:

  1. Doações em dinheiro, produtos e serviços a entidades e comunidades;
  2. Uma nova transformação digital de negócios especialmente voltada ao contexto da pandemia e com fins de sobrevivência;
  3. Uso da marca como plataforma de influência por meio de conteúdo informativo;
  4. Cooperação entre marcas concorrentes em prol do coletivo.

Questionamos, assim, se há alguma outra opção para as organizações do que não se tornarem hoje social brands. Afinal, estamos dentro de um contexto em que se não houver ajuda mútua e intensa colaboração entre agentes individuais e coletivos, sucumbiremos em conjunto. A hora parece ser de foco e de investimentos em alternativas para que as marcas se façam úteis a suas audiências (e à sociedade), evitando oportunismos e oferecendo conforto e ajuda em novas demandas. O meio digital, sobretudo as plataformas de mídias sociais, são hoje essenciais como competências para a comunicação, sendo seu domínio uma nova e indiscutível habilidade para o fazer comunicacional das marcas. Em tempos de covid-19, a comunicação digital se firma como central e funcional, não só na transmissão de informações, mas também em seus usos para entretenimento, novos arranjos econômicos e também convívio social. Assim, marcas que se adaptam de modo ágil e que dominam suas linguagens, regras e as melhores práticas, parecem sair na frente.

Entendemos que, para ser uma social brand, é preciso a capacidade de readaptação, de empatia e de ir além do planejado, especialmente no que diz respeito à comunicação. Algo que acreditamos que não seja mais uma escolha, mas uma necessidade ao que chamamos de “novo normal” do mundo pós COVID-19, especialmente para grandes organizações e marcas de quem se espera que exerçam um papel adicional ao de apenas anunciar e vender. Esperamos que tal aprendizado seja incorporado à cultura das marcas na busca por mais e mais contribuições à sociedade além da captura de atenção das audiências. O mundo não será mais o mesmo, e a comunicação das marcas, pelo visto, também não…

*Carolina Frazon Terra é pós-doutora em Comunicação, pesquisadora no grupo Com+/USP, professora na Faculdade Cásper Líbero, ESPM e ECA-USP.

*João Francisco Raposo é especialista em Comunicação Digital e doutorando pela ECA/USP, e pesquisador  no grupo Com+/USP.

Post originalmente publicado no site da ProXXima

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