Transformação digital converte comunicadores em curadores de dados estratégicos

Por João Francisco Raposo e Carolina Frazon Terra​ (*)

​ ​As transformações na Comunicação guiadas pelo digital seguem o processo natural de transformação da sociedade em função da gigantesca digitalização de tudo: processos, relacionamentos e também atividades da área. Com um mundo cada vez mais midiatizado, “plataformizado“ e dataficado, entendemos que o profissional de comunicação de hoje deva desenvolver novas competências de forma a conseguir entender e acompanhar a atual complexidade de um mundo que muda o tempo todo.  Surge também a necessidade de saber se relacionar bem com outras áreas de maneira consonante com os objetivos de negócio das organizações, sem perder de vista sua atividade-fim: comunicação estratégica, relacionamento, exposição e visibilidade positiva.

Um verdadeiro redesenho de habilidades e práticas estimulados pela transformação digital, com o mercado cobrando dos comunicadores o que as universidades começam pouco a pouco a oferecer também em suas grades: o famoso “modo beta” de ser, em constante mutação e aprendizado além do trivial da área. De modo breve, consideramos transformação digital como as mutações do nosso tempo capazes de moldar e alterar cultura, sociedade e economia. Tudo isso por meio de dispositivos, novas relações e novos processos aliados à comunicação e às tecnologias da informação. Não é um conceito fechado, mas sim, interdisciplinar. E ele altera processos de maneira a impactar novos produtos e formatos por meio da (hiper)digitalização, seja ela voluntária ou compulsória (como no caso das empresas durante o isolamento pelo coronavírus).

Assim, as práticas da área de Comunicação como um todo passam hoje pelo domínio de técnicas que estruturam o uso de instrumentos e funcionalidades próprios das redes digitais e das mídias sociais. Há, sem dúvida, um sistema econômico e mercadológico que exige de todos os profissionais da área, hoje, compreender novos formatos e possibilidades que vão além do seu escopo original e inicial. Por exemplo, para o desenho de estratégias de relacionamento com os públicos no ambiente digital, é preciso compreender que planejamento, conteúdo e mecanismos de relacionamento e atendimento se somam hoje a um plano de mídia online que dê visibilidade a tudo isso. Assim, algo que antes era de competência exclusiva da Publicidade passa a fazer parte do contexto da Comunicação como um todo (jornalística e Organizacional), borrando divisas entre as áreas e aumentando tanto as possibilidades de atuação no campo quanto os desafios.

A capacidade e a necessidade do profissional de Comunicação de ser um curador de dados já faz parte dessa nova realidade, para não só selecionar, mas (principalmente) saber como materializar os insights ali presentes em estratégias alinhadas aos modelos de negócios das organizações. Comunicadores de todas as áreas – jornalistas, publicitários, RPs – viram suas práticas totalmente transformadas e agora devem ser capazes de selecionar e valorar dados de forma a identificar padrões, implicações e desdobramentos para formação de opinião e conteúdos informacionais para visibilidade e, porque não, influência na rede.

A adoção do trabalho com dados e métricas pela Comunicação e pelo Marketing acabou se consolidando com a hiperdigitalização do mundo (agora ainda mais intensa com a pandemia da COVID-19) na busca por interpretar e conhecer cada vez mais a fundo o comportamento e os desejos do consumidor para ações mais assertivas e personalizadas. O uso estratégico de dados torna o trabalho dos profissionais da área ainda mais preciso (e também desafiador), uma vez que a informação gerada pelos consumidores (ou usuários) já contém toda a matéria-prima e os direcionamentos sobre suas aspirações, o que acaba por direcionar e personalizar ações e discursos mais e mais.

Construir conteúdos de interesse e altamente propagáveis nos grupos e comunidades online, como as fanpages, torna-se parte essencial das habilidades do profissional de Comunicação do futuro, em um misto de captura de atenção e da transformação da massa de dados (o famoso Big Data) em insumos para relacionamentos estrategicamente formatados no digital. Plataformas como o Facebook, Tik Tok e Twitter, por exemplo, operam via processamento dos dados gerados pelos usuários, codificando-os em práticas sociais e padrões de conectividade que hoje pautam o trabalho dos profissionais da área de modo performativo e data driven, com indicadores capazes de alimentar, positiva ou negativamente, o “estar visível” hoje na rede.

Neste contexto, o trabalho de gestão da visibilidade e da geração de valor dos profissionais de Comunicação vem se apoiando na experimentação contínua, fazendo uso cada vez mais também de práticas preditivas e analíticas, algo antes jamais imaginado pela área.  E, a partir disso, é possível perceber como a atividade comunicacional se torna hoje, de certo modo, cada vez mais algorítmica trabalhando em sua essência para criar formas de participação e tomada de decisões baseados em uma estratégia de dados curados por algoritmos.

Uma gigantesca infraestrutura comunicacional totalmente transformada e que coordena o mercado e uma rede de relações com novas atividades, habilidades e comportamentos de consumo por meio das redes digitais e suas constantes mutações. A impermanência  – e a adaptação – se tornam nosso mantra. Quer gostemos ou não, tudo será constantemente transformado, reconfigurado e readaptado, incluindo a Comunicação e o Marketing. E para o delírio de Darwin e seus discípulos, sobreviverão (sempre) os mais flexíveis e resilientes.

*João Francisco Raposo é especialista em Comunicação Digital e doutorando pela ECA/USP, e pesquisador  no grupo Com+/USP.

*Carolina Frazon Terra é pós-doutora em Comunicação, pesquisadora no grupo Com+/USP, professora na Faculdade Cásper Líbero, ESPM e ECA-USP.

Texto originalmente publicado no site da ProXXIma

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