É possível falar de tendências para o jornalismo no pós-pandemia?

Pra não iniciar de forma pessimista, questionando como e quando chegará a pós-pandemia, os speakers deste módulo foram otimistas cautelosos. Resumo aqui as opiniões do futurista Ross Dawson, de Geoffrey Ramsey — evangelista e co-fundador do eMarketer, e do Mario Garcia — reverenciado consultor de re-design de jornais impressos.

Os apresentadores concordam, de forma unanime, uma postura de urgência com relação a mudanças, a ativação do modo criatividade por parte de gestores e redações, e a atenção redobrada para imprevistos e mudanças de rumo. Também concordam que as mudanças provocadas na audiência devido ao isolamento social criaram um novo cenário de consumo midiático-informativo. E que tal cenário precisa ser rapidamente absorvido pelas empresas, redirecionando suas estratégias de negócio.

O futurista Dawson propõe um re-balanceamento das formas de trabalho entre os espaços de casa, do escritório e o que ele denomina “terceiro espaço” que ocorre onde e quando a conexão à rede se estabelecer, gerando um outro entendimento do que seja localização. Hábitos de deslocamentos, viagens, idas a espaços públicos para consumo de qualquer coisa, e até mesmo modos de tomada de decisão entram neste terceiro espaço deslocalizado.

Os efeitos destas mudanças, para Dawson, deverão ampliar o espectro das polarizações na sociedade em praticamente todos os contextos — valores, poder, economia, trabalho saúde, educação, tecnologia e humanismo. E, exatamente por isso, o papel do jornalismo é e será ampliado como referência para a construção coletiva de sentido e para restringir os núcleos de desvios cognitivos que geram desinformação, tendenciamentos e distanciamento da civilidade.

Dawson propõe que, para o negócio jornalístico do porvir, a relação entre criação de valor pela qualidade de conteúdo e a prosperidade da indústria será o fator decisivo. Neste cenário, a produção de notícias pautada pelo agenda-setting deverá ser substituída por um processo de informações que potencializam o crescimento da sociedade como um todo.

Em quaisquer cenários indicados, não se pode pensar em priorização da cadeia de valor e prosperidade sem o uso eficiente e eficaz de dados e das relações com uma audiência ativa. Aqui, as posições de Geoffrey Ramsey pautadas pelos dados produzidos pela eMarketer são fortes, ainda que muito focadas no contexto norte-americano.

Ramsey faz um contraponto entre a queda de confiança da sociedade na mídia especialmente após 2016 (Trump, fake news..) e a necessidade reforçar a legitimidade nos veículos da mídia clássica, pois estes tem condições de contextualizar os acontecimentos. Dados mostraram que a desconfiança é maior sobre os conteúdos disseminados pelas plataformas sociais, Facebook liderando.

E, neste ambiente de criação de valor pelo conteúdo, temos a surpreendente visão de Mario Garcia, sempre tão vinculado ao meio impresso e, (segundo ele) inspirado pelo momento pandêmico, dirige olhos para a marca informativa posicionada para além do clássico impresso. Propõe ações de puro branding, sugerindo a criação de conteúdos e uso de dispositivos que reforcem a marca e a coloquem quase que “colada” a cada individuo da audiência, onde ele estiver e com qualquer dispositivo que utiliza.

Com isso, suas recomendações para o jornalismo no futuro passam pelos dispositivos moveis e seus apps e, nestes, um empacotamento adequado e oportuno da informação. Objetividade, facilidade de uso do dispositivo/app e conteúdo de qualidade são as condições que Garcia propõe. Para ele, as condições sociais e de trabalho em momentos como este de pandemia, ao mesmo tempo, dificultam a permanência do meio impresso e facilitam o uso do meio digital. Cabe às marcas relizarem um verdadeiro planejamento para essa transição que, poderá ser definitiva.

Garcia afirma que o trinômio transformação — storytelling — design será o rumo daqui pra frente.

Todas as discussões dos especialistas parecem um tanto óbvias para quem acompanha o rumo dos acontecimentos e as reações de todos os setores da sociedade. Mas, se olharmos sob a lente das empresas informativas é bastante razoável considerar que muitas e de várias regiões do planeta ainda não buscaram um posicionamento mais propositivo e aderente a um cenário de transformação que já vinha se construindo bem antes da explosão covid-19.

É em momentos como o que vivenciamos que vem à luz o imobilismo ante à inovação assumido por muitas empresas informativas. Não é de hoje que se fala em storytelling de contexto e de qualidade, também não é de hoje que se fala em atuar na cadeia de valor de um ecossistema de informações e não apenas no foco de uma marca individual, não é de hoje que se discute a interveniência das plataformas sociais e seus algoritmos como fonte predominante de informação da maioria da sociedade conectada, e não é de hoje que se preconiza o uso de dados de rede como meio de realização de negócios.

O cenário apontado indica um futuro que deveria ter sido delineado e até mesmo assumido pelas empresas informativas. Um futuro que é mais presente que o porvir.

Por Elizabeth Saad

Post originalmente publicado no Medium.

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