“O dilema das redes”: livros, podcasts e vídeos para se aprofundar na discussão do documentário!

Por Issaaf Karhawi, doutora em Ciências da Comunicação (PPGCOM-ECA-USP) e pesquisadora do COM+

É possível que você tenha assistido ao documentário “Dilema das redes” (Social Dilemma, Netflix) e tenha tido uma dessas reações:

  1. Já sei de tudo isso, nada mais me surpreende!
  2. Nossa, como as redes sociais estão impactando na minha vida!

Independente da sua reação, o documentário coloca em circulação uma perspectiva crítica frente ao digital que, há anos, tem sido reverberada entre os pesquisadores do tema. Para quem ainda não viu, o filme reúne ex-funcionários de grandes empresas de tecnologia como Facebook, Twitter, Instagram e Pinterest para falarem sobre os impactos das redes sociais digitais em nossas vidas. Os tópicos são muitos e vão desde polarização e vício até reverberações nas democracias mundiais e em nossa existência como humanidade.

Se o documentário foi para você apenas a dramatização audiovisual de algo que já sabia, ótimo! Se para você o documentário foi a abertura de uma caixa de Pandora, ótimo também! É para as duas percepções que decidi elaborar uma lista de leituras que podem te ajudar a pensar um pouco mais sobre o tema ou aprofundar na discussão. Vamos lá!

Nível básico

Se “Dilema das redes” foi a sua porta de entrada para as perspectivas críticas do digital, seja bem-vindo! Há muitas possibilidades de leituras para você e talvez um livro legal para começar seja o“Filtro Invisível: O que a internet está escondendo de você”. A obra de Eli Pariser foi precursora na popularização da ideia de bolhas algorítmicas, lá em 2011. O livro é um misto de discussões conceituais importantes e boas histórias. O autor também resgata todas as vantagens de estarmos conectados em rede. Vale a pena!

Outra entrada para o tema é o livro de um autor que está, inclusive, no documentário. Jaron Lanier trabalha na Microsoft e é um inconformado da indústria. Entre suas diversas obras, seu livro “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais” é um manifesto, curto, direto ao ponto e que parece ter sido o esqueleto do documentário exibido na Netflix. Apesar do título apocalíptico, Lanier mostra possibilidades de regulamentação dessa indústria.

“Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições” é do autor italiano Giuliano da Empoli e acabou de sair do forno. Ali, Empoli concentra as discussões em como os algoritmos auxiliam nas estratégias de propaganda política. Exatamente como o documentário dramatiza com o jovem Ben.

Nível intermediário

Se você já está em um nível mais avançado da discussão sobre impactos das redes em nossa vida, talvez seja o momento de ler o que os pesquisadores, acadêmicos têm a dizer sobre o assunto. A primeira sugestão de leitura é o “A sociedade de controle: Manipulação e modulação nas redes digitais”, de Joyce Souza, Rodolfo Avelino e Sérgio Amadeu da Silveira. A obra traz uma discussão importante sobre modulação algorítmica, ou seja, o controle da visualização de conteúdos que as plataformas têm em nossas vidas. E, também, formas de resistência.

Já o livro “Democracia e os códigos invisíveis: como os algoritmos estão modulando comportamentos e escolhas políticas” é outra entrada para discussão sobre o colapso das democracias e a polarização intolerável que vivemos. O autor é o professor Sérgio Amadeu da UFABC, referência brasileira sobre o assunto.

E se você quer ir além, também vale a pena ler “Isso (não) é muito Black Mirror: passado, presente e futuro das tecnologias de comunicação e informação”, do professor André Lemos da UFBA. O livro desenvolve um argumento interessante: o autor analisa cada episódio das três primeiras temporadas da série Black Mirror, não a partir de uma leitura “disruptiva”, mas por meio de teorias clássicas da comunicação, das ciências sociais e, especificamente, da comunicação digital.

Nível avançado

Vamos para o nível avançado. Mas, veja bem, todos os livros indicados aqui são igualmente interessantes, objetivos e difíceis de largar! Mas nesta categoria estão obras em língua inglesa e que oferecem leituras do impacto das redes a partir de diferentes perspectivas das Ciências Humanas e Sociais.

A primeira indicação é de uma autora que também está na série “Dilema das redes”, a Shoshana Zuboff, com o emblemático “The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power”. No livro, Zuboff discute a era do capitalismo de dados e de vigilância distribuída.

Outra autora que também aparece como entrevistada no documentário é Cathy O’Neil, autora do livro “Weapons of Math Destruction: How Big Data Increases Inequality and Threatens Democracy”. Algo como, “armas de destruição matemática”. O livro coloca na mesa uma perspectiva tecnopolítica e mostra o papel dos algoritmos no silenciamento de questões de gênero, raça e classe. Além de mostrar saídas possíveis por meio da responsabilização das plataformas e questionamento das dinâmicas maquínicas.

Na mesma linha, está o livro “Algorithms of Oppression: How Search Engines Reinforce Racism”, da autora Safiya Umoja Noble. De forma mais específica, Noble descreve a lógica de opressão algorítmica no que se refere ao racismo. E como mecanismos de busca como o Google operam tanto na lógica do aprendizado resultante das interações dos sujeitos, quanto a partir de suas premissas fundantes.

Por fim, vale a pena conhecer a perspectiva dos autores Nick Couldry e Ulises Mejias no livro “The Costs of Connection: How Data Is Colonizing Human Life and Appropriating It for Capitalism”. A obra é articulada a partir da crítica ao capital e uma revisita ao conceito de colonialismo a partir dos dados.

Mas eu não sou muito de leituras, sou mais dos produtos audiovisuais…

Tudo bem, sem problemas! A primeira indicação para você, então, é o podcast Vitamina COM+, do nosso grupo de pesquisa da ECA-USP. O episódio #4 Algoritmos, dados e privacidade vai tratar da nossa relação com os dados na rede e os impactos em privacidade. Sabe aquela frase: “Podem levar meus dados, não tenho nada a esconder”? O podcast discute essa afirmação e avança para os impactos da hipersegmentação da vida e polarização nas relações.

“Por que precisamos recriar a internet?” é o título do TED do autor já indicado Jaron Lanier. A palestra é um belo relato (utópico?) de quais seriam as vantagens de uma vida fora das redes. Será?

A autora Cathy O’Neil também sintetiza a sua teoria das “armas de destruição matemática” no TED “A era da fé cega no big data tem de acabar”. No vídeo, a cientista de dados faz uma reflexão importante sobre auditoria de algoritmos; a necessidade de questionar seu funcionamento e a integridade dos dados.

Outro TED já mais antigo – e por isso mesmo, valioso! – é o do autor Eli Pariser intitulado “Tenha cuidado com os filtros-bolha” online. Pariser aponta a partir de exemplos muito simples como as bolhas diminuem a nossa criatividade, desestruturam a democracia e nos impedem de conhecer o mundo. Ele fala, inclusive, da Netflix! Afinal, não adianta produzir documentário e se isentar da responsabilidade nesse cenário.

Também fica a indicação de mais um podcast: o Tecnopolítica. Mais especificamente, o episódio #48: Dataficação e o sequestro do futuro em que a professora Fernanda Bruno da UFRJ mostra como a uma vida datatificada interfere não apenas em questões políticas, mas em nossa subjetividade.

Por último, vale muito a pena ler a entrevista do pesquisador Axel Bruns para a DigiLabour. Nela, Bruns coloca em questionamento a noção de “filtros-bolha” ao afirmar que se trata de uma metáfora mal empregada para grupos sociais ou comunidades de interesse. Em outras palavras, um termo quase “inútil”.

Entusiastas digitais versus críticos da rede

Há perspectivas teóricas mais positivas em relação ao digital e às plataformas de redes sociais; e outras mais críticas. Também é sabido que essas discussões já circulavam entre os pares acadêmicos há anos. Mas, para além do binarismo, o documentário pode ser uma forma de colocar em circulação algo que parece que não estava alcançando todo mundo! E que bom que agora temos um gancho para poder repensar o digital uma vez que, como bem disse Jaron Lanier no filme, “os críticos são os maiores otimistas”. Talvez seja uma saída entender: já que vamos entrar nessa dinâmica, que seja para compreendê-la e repensá-la. Para isso, talvez não precisemos dos arrependidos salvadores do Vale do Silício ou de uma visão apocalíptica das redes, mas uma compreensão da urgência de se pensar políticas públicas para o digital e a responsabilidade das plataformas nesse cenário. Vamos lá!

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